quadra inteira #2 — Post-ups

Guilherme Jaeger
8 min readApr 19, 2021

Oi pessoal, tudo bem? O quadra inteira é uma ideia que eu já tenho há tempos: uma forma de compartilhar o amor que eu tenho pelos detalhes do jogo de basquete, da forma mais didática que me é possível, pra levar pra quem é leigo alguns detalhes e conceitos que a pessoa pode até ver em ação, mas não entende como funciona, ou pra que serve.

Uma das coisas que mais me fascinou no basquete, quando comecei a entrar mais a fundo no esporte, é a velocidade e quantidade de elementos que se mexem o tempo todo. Cada tipo de jogada, toda a estrategia e as partes diferentes que se conversam dão muito pano pra manga pra quem quer se obcecar pela bola laranja, de alguma forma.

Não tenho pretensão nem capacidade de dar aula nem nada disso. Minha intenção é ajudar, dentro das minhas capacidades, quem quer conhecer mais a ter uma introdução mais fácil a estes detalhes. E claro, por mais que a vontade seja antiga, o formato está em construção, então estou aberto a sugestões e pautas do que vocês querem saber melhor.

Vamos pro que interessa: os post-ups, e como esta jogada foi adaptada com o tempo.

(OBS: eu tento ao máximo utilizar os termos em português para facilitar o acesso. No entanto, na nossa língua, tanto a jogada “post-up” como a posição “center” são conhecidas como pivôs. Para evitar confusões no texto, vou utilizar apenas o termo inglês para me referir à jogada, deixando a palavra “pivô” para a posição!)

Um pilar do jogo, em reconstrução

Esses dois caras na foto acima, Hakeem Olajuwon e David Robinson, são símbolos de quando as jogadas de costas pra cesta (ou post-ups) dominavam no basquete. Duas torres ofensivas e defensivas, em uma época que times tinham muito incentivo em buscar craques no molde deles, com altura, força e destreza em torno do garrafão. Então, a estratégia era simples: quando a coisa tá ruim, entrega a bola e facilita ao máximo o trabalho da tua estrela. Décadas passaram e muitas ligas reestruturaram suas regras, para deixar o basquete mais dinâmico. O jogo mudou, regras foram alteradas e priorizar jogadas de costas para a cesta não é a vantagem que antes era.

Vai ser comum você ler por aí que o post-up morreu, que não é mais a arma que era… E embora isso até seja verdade em certo ponto, não quer dizer que não exista gente que está se adaptando. Hoje vou trazer dois exemplos de atletas que modificaram seus jogos para tornar o post-up uma jogada efetiva nos novos tempos. Vamos começar chamando a ajuda da pivô do Minnesota Lynx, Sylvia Fowles.

A jogada separada acima é um exemplo muito simples de como a veterana adaptou toda a sua qualidade nos atributos mais fundamentais do pivô clássico para um cenário moderno através da reconstrução do seu tempo de tomada de decisão. Este é, a primeira vista, um post-up próximo à cesta bem básico. Mas no desenrolar da jogada, vamos rever alguns detalhes juntos, para notarmos quantas coisas precisam acontecer em pouco tempo para que ela consiga seus dois pontos e o grau de dificuldade que esta adaptação exigiu de Fowles:

Logo no começo, vemos um exemplo de como a mudança de regras afeta o jogo das grandalhonas. A partir de 2013, defensoras na WNBA não podíam ficar plantadas na área próxima ao garrafão sozinhas por mais de 3 segundos. Isto incentivou times a trabalharem com mais ataques rápidos partindo do perímetro. Para contra-atacar, defesas adversárias começaram a se estruturar mais próximas ao garrafão, impedindo a entrada. Só que isto também causou um efeito colateral nos post-ups. Aqui, a Fowles, defendida inicialmente só pela Nneka Ogwumike, é imediatamente pressionada pela Candace Parker após receber o passe de Rebekkah Brunson, pois Parker estava mais perto e reconheceu a principal ameaça, além de uma oportunidade de trancar a jogada. Assim, a vida da pivô dos Lynx como pontuadora em tese ficou mais difícil, pois ela não tem muito tempo a perder. O que fazer, então? Adaptar.

Vamos pensar juntos aqui: se o time adversário, incluindo Parker, reconhece Fowles como uma ameaça tão grande que precisa dobrar a marcação assim que ela recebe a bola, o melhor a fazer é usar isto em seu favor, não? Pois bem. Imediatamente, Brunson inicia um movimento de corte à cesta e a pivô dos Lynx se usa disso, fingindo um passe para colocar a atenção de Parker novamente na ala adversária, que ela tinha deixado de lado para ajudar a pivô do seu time. Brunson faz um ótimo trabalho de isca, mas por conta da proximidade de Parker, além de Essence Carson e Alana Beard, que também estiveram sempre de olho, ela só conseguiu alguns segundos para que Fowles fizesse seu trabalho antes de ter que passar ou arriscar perder a bola.

As defensoras de ajuda do Los Angeles Sparks já estão fechando o espaço do garrafão. Aquele círculo é o mínimo espaço que Fowles tem para girar, e está muito bem marcado. Além disso, a Ogwumike ainda oferece bastante resistência, para não deixar Fowles entrar apenas na força. Mas a MVP das finais de 2017 já sabia disso desde o começo, e também sabe muito bem como lidar com defensoras por outros meios. Fintando rapidamente o giro para o centro, ela desestabiliza sua marcadora principal e mantém a atenção das demais apenas pelo tempo suficiente…

E então executa um giro difícil para arremessar por cima, conseguindo sua cesta. Quem já jogou basquete sabe muito bem que isso não é nem perto de ser tão fácil como Fowles faz parecer. O toque sutil e controle de corpo necessários para arremessar após um giro rápido, além das técnicas que Fowles usa nesta jogada, são fundamentos básicos de um grande pivô: altura e força física para chegar na posição ideal e se manter ali, reconhecimento dos movimentos das companheiras e adversárias, e a destreza, junto com jogo de pés e equilíbrio para executar manobras difíceis em um espaço curto.

A isto, ela somou uma velocidade na sua tomada de decisão, que é possível ver nesta e em outras jogadas. Ela raramente fica muito tempo com a bola, porque já sabe o que fazer assim que a recebe. Sua capacidade de processar o que está acontecendo em quadra, conhecer as tendências das defensoras, e os dons atléticos que ainda possui mantém Fowles no mais alto nível, mesmo já estando na casa dos 30 anos. Ainda dominante em um estilo quase clássico, mesmo com o jogo tendo se alterado tanto. Mas claro que esta não é a única forma. Mudanças mais radicais também são bem-vindas. E para isto, vamos chamar um jogador que está modificando a função de um pivô em quadra: Nikola Jokic, do Denver Nuggets.

Jokic, apeasar de alto e com arremesso bastante capaz, não tem os mesmos dons de agilidade e explosão física. Mas o pivô dos Nuggets tem em seu favor uma arma que poucos na sua posição tem, que é sua visão de jogo surreal. Assim sendo, virou o principal criador de jogadas do time, algo raríssimo, mesmo atualmente, para atletas da sua estatura. E ele se utiliza do post-up de forma bastante diferente: sua principal função é utilizar da sua ameaça como pontuador e armador para manipular a defesa e vasculhar companheiros livres. É o que veremos na jogada separada acima, em detalhes nos quadros abaixo:

Eis um fato ao jogar contra o Jokic: se você deixar algum adversário livre, ele vai fazer a bola chegar justo nesta pessoa. Repito: não é que ele pode achar o colega livre. Ele VAI achar, não importa onde e como. Tanto o pivô dos Nuggets como seus adversários tem esta certeza. E por si só, isso já deixa oponentes com medo de dobrar a marcação. Aqui, no entanto, a jogada se desenrolou de modo que Jokic tem uma vantagem em força e altura sobre o seu marcador, o ala Royce O’Neale. Além disso, notem que o pivô está de costas para a cesta um pouco mais longe que o normal. De propósito, pois assim permite que seus colegas tenham espaço para cortes. Nesta jogada, ele vai utilizar a ameaça das liberdades que ele e cada um dos seus colegas podem ter para antecipar os movimentos dos defensores. Acima, vemos Donovan Mitchell sinalizando para que Derrick Favors não se descuide de Jamal Murray, pois Jokic está de olho…

O problema é que, como O’Neale cede em altura e força para o sérvio e pode ser alvo de um giro, ele vai precisar de ajuda. Então, Mitchell toma a decisão de dobrar a marcação e pressionar o passe. Aqui, Jokic já sabe o que vai acontecer e só toma os passos necessários para desenrolar o efeito cascata. Ele finge novamente que irá passar, desta vez para Barton, fazendo com que Mitchell se desespere para tentar interceptar, e que Jordan Clarkson corra para onde Mitchell estava para cobrir seu colega. Tapando um buraco e deixando outro. E Jokic, claro, dá um jeito:

Enquanto Jokic dá seu giro para manter a atenção da defesa, PJ Dozier faz o trabalho inteligente de cortar para dentro, mantendo a atenção de Bojan Bogdanovic próxima ao garrafão. Com essa aglomeração toda (hehehehe), Jokic já sabia que Monte Morris iria estar completamente livre. Olhem a distância entre o ele e o defensor mais próximo. E pior, todos estão de costas para Morris, em pânico com a possibilidade da penetração ou passe mais próximo do #15 de Denver. Não há qualquer chance de impedir um arremesso totalmente livre.

Se valendo do seu trabalho no post-up alto (longe da cesta), da sua altura e senso de sempre saber onde estão seus colegas, Jokic tem possibilidades de passe que outros jogadores não conseguem executar. Ele se aproveita destes dons para colocar defesas em constante ameaça, tendo que fazer escolhas difíceis e viver com as consequências do que cedem.

Temos muitos outros jogadores que ainda se valem do post-up e suas possibilidades para pressionar defesas. E não só os grandões. LeBron James dos Lakers e DeMar DeRozan dos Spurs tem nas jogadas de costas uma parte crucial de seus repertórios, mesmo não sendo pivôs. Embora esta possa não ser mais a principal forma de atacar uma defesa, quem souber adaptar a ferramenta às necessidades de hoje ainda vai ter uma grande aliada em suas mãos. O truque é a variedade. Quanto mais possibilidades se coloca na cabeça dos defensores, mais ingrata se torna a tarefa de impedir a cesta.

--

--