quadra inteira #4 — Rotações defensivas

Guilherme Jaeger
8 min readMay 2, 2021

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Oi pessoal, tudo bem? O quadra inteira é uma ideia que eu já tenho há tempos: uma forma de compartilhar o amor que eu tenho pelos detalhes do jogo de basquete, da forma mais didática que me é possível, pra levar pra quem é leigo alguns detalhes e conceitos que a pessoa pode até ver em ação, mas não entende como funciona, ou pra que serve.

Uma das coisas que mais me fascinou no basquete, quando comecei a entrar mais a fundo no esporte, é a velocidade e quantidade de elementos que se mexem o tempo todo. Cada tipo de jogada, toda a estrategia e as partes diferentes que se conversam dão muito pano pra manga pra quem quer se obcecar pela bola laranja, de alguma forma.

Não tenho pretensão nem capacidade de dar aula nem nada disso. Minha intenção é ajudar, dentro das minhas capacidades, quem quer conhecer mais a ter uma introdução mais fácil a estes detalhes. E claro, por mais que a vontade seja antiga, o formato está em construção, então estou aberto a sugestões e pautas do que vocês querem saber melhor.

E o tema de hoje é um daqueles no qual a velocidade do olho precisa estar em dia: vamos falar sobre os conceitos iniciais das rotações defensivas.

Defesa é arte e eu posso explicar

Se no texto passado falamos da ciência envolvida no ataque, hoje, vamos falar da beleza que está no intangível das rotações defensivas. No basquete de alto nível, onde ataques sempre procuram sujeitar os adversários à sua vontade, a defesa precisa de uma grande colaboração pra executar seu plano de jogo. Todo time que se preze, especialmente nos jogos mais importantes, entrará em quadra com estratégias A, B, C e D de como diminuir o ritmo ofensivo do oponente.

Mas não só isso. O basquete é um jogo de alta velocidade e os sistemas de defesa são construídos para ler o que está acontecendo e reagir em tempo real aos problemas que o oponente apresenta. Tirar as melhores armas do adversário sem descuidar do resto exige colaboração, timing e concentração mental para decidir o foco de cada momento e o quanto ele deve ser prioridade. E às vezes, por mais que haja o plano, a execução dependerá do instinto de cinco pessoas em sincronização. Defesa não é só força e esforço. Defesa é arte, feita em conjunto.

Hoje vamos olhar para duas formas simples desta arte, que uma rotação defensiva deve dominar na busca da sintonia: ajudas e trocas. Pra isso, vamos chamar primeiro as campeãs de 2020 da WNBA, do Seattle Storm:

O Seattle Storm é um exemplo de timing na defesa e consciência tática para executar um plano de jogo independente da circunstância. Durante toda a partida, que você pode ver acima, o plano de jogo era claro: forçar as jogadoras do adversário Las Vegas Aces a arremessarem do perímetro, sufocando qualquer tentativa de penetração. Seattle manteve, durante todo o jogo, um esquema de marcação individual, porém com a armadora Sue Bird atuando mais liberada e ajudando as colegas a fechar penetrações. Parece simples, né? Mas para que ela possa fazer isso sem ceder buracos, as demais precisam estar sempre ligadas e resolver os problemas que surgem o quanto antes. Vamos à jogada separada para que possamos explicar melhor:

O começo desta jogada parte de uma saída rápida da equipe dos Aces, colocando quatro das suas atacantes no perímetro e tentando desestabilizar a defesa: Jackie Young, Danielle Robinson, Cierra Burdick e Kayla McBride. Normalmente, a armadora do Storm, Sue Bird se posiciona no centro e usa sua leitura de jogo para ajudar suas colegas a pressionar atacantes que tentam entrar cesta adentro. Neste caso de ataque rápido, ela não podia deixar McBride livre, e por isso acabou ficando no canto da quadra. Marcação individual não é sua melhor qualidade, e ela vai precisar de ajuda.

Aqui, já notamos a prioridade da defesa do Storm: impedir qualquer penetração, cedendo arremessos longos se necessário. Robinson usa a parede de Burdick para atrair Jewell Loyd para o canto superior da quadra, deixando Bird e Breanna Stewart para lidar com McBride. Burdick recebe e a bola e não perde tempo em entregá-la para McBride, uma das All-Stars do seu time, sendo a outra, A’ja Wilson, vigiada de perto por Natasha Howard no garrafão.

Todas em quadra sabem que Bird não possui a velocidade lateral necessária pra ficar na frente de McBride por muito tempo. Então, a defesa do time de Seattle vai se virar nos 30 (ou melhor, nos 24). Em vez de Bird recuar e ficar na condição de ajudante, ela resolve esperar apenas o tempo necessário para Loyd fechar o garrafão, e sai para fechar o espaço da sua atacante. Sua colega, Stewart, vigia este movimento de perto.

Aqui, temos os instintos defensivos de Bird e a sinergia com suas colegas dando resultado em um improviso. A armadora do Storm, ciente de que não conseguiria lacrar McBride, escolhe se posicionar de forma a ficar entre a atacante e o centro da quadra, dando apenas o espaço na lateral para que ela possa penetrar. Stewart, por sua vez, faz o papel que normalmente é de Bird, ignorando Burdick, que seria sua responsabilidade, para poder ajudar sua companheira, fechando o meio do garrafão e dificultando ainda mais a vida da atacante primária do Las Vegas Aces.

O resultado não foi exatamente o desejado, pois Bird acaba fazendo falta em McBride. Mas o improviso deu muito certo, ao forçar McBride a arremessar de média distância, em movimento, cercada por defensoras prontas para frustrá-la. Normalmente, o esquema do Storm é bem conservador, não utilizando muitas trocas e mantendo apenas Bird mais livre para ajudar suas colegas. Mas aqui, tiveram de mudar papéis de forma praticamente instintiva. E este reconhecimento auxiliou a equipe campeã a manter seu plano de jogo em uma situação adversa. Isso só é possível com muito treino e uma análise imediata do que está errado no esquema e como resolver. Com a marcação de ajuda, se tapa os principais buracos, em um ato delicado de sempre pesar a principal prioridade com os outros problemas que podem aparecer.

Mas e as trocas? Pois bem, para ilustrarmos esta tática mais agressiva e suas vantagens, vamos a um time que faz uso dela há anos: o Toronto Raptors.

Os Raptors, desde sua temporada do título em 2019, tem por prioridade manter um esquema defensivo adaptável a qualquer situação e capaz de executar qualquer plano de jogo que for necessário. Na jogada acima, diferente do Storm, que focou em uma área da quadra, os Raptors tem um grande objetivo: restringir a movimentação de Luka Doncic. Para isso, o esquema de trocas vai ser uma arma constante:

Aqui, temos Doncic iniciando a jogada sendo marcado de perto por OG Anunoby. James Johnson, sabendo disso, vai colocar uma parede para liberar seu colega com a bola. Como os Raptors sabem que o armador dos Mavericks não precisa de muito tempo ou espaço para descolar um passe ou arremesso, já sabem como lidar com a ocasião. Chris Boucher segue Johnson, aparentemente:

Na hora, Boucher e Anunoby se aproveitam da proximidade para trocar suas marcações. O objetivo é claro: Doncic é a prioridade e ele não pode ter um segundo de paz. O problema, com isso, é que o pivô Boucher é quem deveria proteger o garrafão, mas como ele está marcando Doncic, há um espaço. Em tese. Mas a defesa de Toronto, novamente, está preparada e utiliza a sintonia entre os defensores em seu favor.

VanVleet sinaliza para que Anunoby novamente troque a marcação e fique em Tim Hardaway Jr. Agora, o problema é que VanVleet, o menor jogador do time, está protegendo o garrafão. Mas, reconhecendo o perigo, Kyle Lowry e Pascal Siakam já estão atentos para ajudar seu colega a sufocar Doncic, assim que ele chegar ao garrafão.

O trabalho inicial foi feito. Doncic está sem mais ações, cercado por defensores dos Raptors e sem espaço para o seu arremesso. Como o armador de Dallas tem uma visão de jogo excepcional, ele enxerga Porzingis livre no canto da quadra. Mas Siakam estava atento e ciente de seu papel para reagir a este passe.

A chegada de Siakam, embora não exatamente no tempo certo, força Porzingis a hesitar no seu arremesso, e contribui para o erro do jogador de Dallas. Mas, mesmo que o arremessador acertasse, o objetivo principal foi cumprido, através de uma série de reações em curtíssimo espaço de tempo. Este é o benefício das trocas de marcação, que poderiam dar extremamente errado caso qualquer um dos jogadores dos Raptors perdesse sua concentração e não fizesse a leitura correta. Mas aqui, todos agiram em conjunto para cumprir a tarefa.

E esta é a dança das defesas do basquete, que deve estar pronta para se adaptar a qualquer momento, para manter um esquema, um objetivo ou mesmo mudar de meta na hora, conforme um problema maior aparece. Num jogo orientado pelo ataque como é o basquete, novas formas de defender surgem a todo tempo. Mas o que não muda é a necessidade que todos os colegas de uma equipe conheçam as capacidades um do outro, além das do adversário, para que possam sempre buscar o ideal ingrato que é parar os melhores jogadores do planeta, em um esporte de ritmo alto e scores ainda maiores. Só artistas podem lidar com estas probabilidades e seguir tentando.

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